GLACIAL
o frio não combina com o mar
nem com a imensidão desta ausência
nem com os pés arrastando no chão
à deriva
o mar é bravo
e está frio a doer nos ossos
a lascar a pele já despida de sua cor
o instante de ver o mar
não ultrapassou para a ventura depois da linha
aqui é só o agora pálido, sem tintas
num torpor que transmuta-se em nevoeiro
os dias se arrastam multiplicados na sua dor
são segundos infinitos que duram como blocos de gelo
que não se sabem eternos
aqui não há o que celebrar
pois a alma está submersa
nesta terra fria e vulgar
os ventos extirparam as palavras
e deram-me um coração de pedra
e fizeram de mim um iceberg
ao sabor dos desejos das ondas
que não conhecem perigo
nesta imensidão desértica
flutuar
talvez como destino
e atravessar este frio até algum lugar aqui mesmo
04/04/2016
João Lopes Filho