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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ARMADILHA

a armadilha de todos os dias
se vê na soleira da casa

os fantasmas que deixei atrás da porta
me saúdam festivos
dizem: - Bom dia!
e circulam serelepes nos líquidos do meu corpo

o fogo que acendi se ausentou
como os vagalumes da noite da infância

os mortos, em cujos funerais eu fui, insistem em flanar por aí

soa o alarme do celular:
quantas mortes serão necessárias
para que os mortos que carrego realizem seu destino?

os fantasmas querem brincar
quando a noite já envelhece

eu quero apenas dormir

29/09/2017

João Lopes Filho

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

CORPO

jorram silêncios
na noite que se avizinha da estação das flores

ondas e ondas se erguem molemente
num só-depois a luzir

amoleço o ímpeto:

é a superfície do espelho d’água que se faz pele
por onde navego em fluxo
no oculto das letras

até a próxima hora em que seus olhos forem meu espelho

01/09/2017
João Lopes Filho






quinta-feira, 31 de agosto de 2017

LABAREDA

carrego ainda os andrajos do que fui
da flor que não fluía

esbarro no tempo onde pétala a pétala
o corpo se reconstrói,
até não se reconhecer mais flor

corro até esmorecer
até a linha que não se ultrapassa
desenhada com as chaves da minha gaiola

a cada golpe dos pés sulcando o asfalto
fica um resíduo do que nunca fui:
as facas que me feriam
as lágrimas que mourejavam como pedras
os assombros

a matemática não mais inspira o relógio
o fogo-fátuo fez-se fogos de artifício
com outras invenções no agora das passadas

ergueu-se assim
outra língua feita de ímpeto, ardor e graça

21/08/2017

João Lopes Filho

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

SEMBLANTE

desenho o rascunho
das flores artificiais que ornam
as palavras não pronunciadas

o jorro silábico interminável
sobrepõe todos os sons
sem perceber
o inverno
o sol que não compareceu
as chuvas que desabam

[me calo]

impossibilidade da letra
silêncio como signo
o real irrompe sem adjetivos

germinam na linha que nos ilude ao demarcar o horizonte
os bichos danados
que apenas insinuam seus contornos

14/08/2017

João Lopes Filho

sábado, 12 de agosto de 2017

MANHÃ

as ruas se multiplicam
os transeuntes nada sabem do que procuro

me perco indolente
nas trilhas do mapa
onde não florescem girassóis

no território sob a pele
arrepios são sinais
de que o mundo transborda de si

no subsolo onde algo se esqueceu
brota o que parece ter sido sempre assim
como as sementes que germinam no relento
esquecidas nos olhos alheios

12/08/2017
João Lopes Filho







segunda-feira, 26 de junho de 2017

ESPELHO

a tempestade lhe revolve por inteiro
as explicações se estilhaçam
como meros enfeites de papel
o rio fluxa oposto a si

na contracorrente das urgências
as cores e temporais lhe golpeiam
como ondas gigantes

segue em fluxo luminoso
hóspede do acaso
na sedução das imagens

desanda nas águas
se vê no espelho das águas
nelas imerge
e canta como num último suspiro

a língua afiada no esmeril do devir
lambe as labaredas
como se o hoje fosse tudo que detém nas mãos

João Lopes Filho
26/06/2017

quinta-feira, 8 de junho de 2017

CÂNTAROS

eram cântaros
nem sabia
foi o ressoar da palavra
na estação das chuvas

nos recônditos onde nada se escondia
diante dela que via tudo: cântaros
uma mãe gigante:
comeeira, telha, teto e luz

Chove a cântaros!

a professora anunciou:
oração sem sujeito
verniz do  mundo que se esboçava
naquele passo onde as goteiras eram lúdicas

as feras imaginárias
não frequentavam os dias nublados
apenas o célere compasso das formigas
na sua ordem imutável
e coisas assim como barquinhos de papel

a mãe, lança em riste,
guerreava com o mundo
o mundo era tudo menos entorno

Chovia a cântaros!

João Lopes Filho
08/06/2017

quinta-feira, 18 de maio de 2017

QUIMERA

dos devaneios
o insone deslumbre dos restos diurnos

se sobrepõe a vigília
a contemplar a planície
onde as miragens vão se esmaecendo

ouço as vozes que interrogam o vazio
o arrastar da marcha das multidões
como eco do futuro

agora hibernam no sono letárgico
no rivotril das imagens das telas lacunares
a avalanche noticiosa nubla o sentir
detém a marcha

enquanto os mortos seguem seus destinos
aqueço o coração nos moinhos de vento

João Lopes Filho

18/05/2017
SUSPENSÃO

onde baila a inocência?

na epiderme dos sonos
na noite interminável
nos transfinitos números
numa nesga de tempo

se número
se letra
soletra um raio
que se refaz

baila o que não se sabe de si

João Lopes Filho
2017

 



PEDRAS

aqueles monstros
de súbito me afligem
no sonho

puseram seus pés de ferro
pra ir a um lugar distante
uma viagem

tão pedras
e eu tão sísifo
até outra pedra surgir

João Lopes Filho


quinta-feira, 11 de maio de 2017

ESTALO

olha o horizonte:
o céu vermelho chinês
é uma fera fumegante

a espera já não se contém
se perde no mapa feito a nanquim

põe em jogo o maquinário
para vedar a fúria
antes que o céu queime

é o desejo
flor trêmula
quando toma ares de larva incandescente

11/05/2017

João Lopes Filho

segunda-feira, 10 de abril de 2017

SAGITÁRIO A

ilhados
nesta nave que flutua
entre choros e navalhas
que desliza no nonsense das pregações torpes dos homens invertebrados

giramos à procura da nave-mãe
de uma letra oculta
que nos perturba na sua opacidade

tremei: não há fim à vista!
não há telescópio para ver a si

esboça-se, turvo, o repetitivo
o trânsito ordinário dos insetos
no seu atávico existir
que nos dá distância para dizer: não sou eu

acolá se alinhava
um mar de química a matar crianças
aquelas que morrem por aqui bem perto de nós

escapa o juízo, afinal.

João Lopes Filho
10/04/2017

quinta-feira, 9 de março de 2017

CONFISSÃO

lamento pelo adeus impossível
pelos poemas não lidos
pela porta fechada
pela régua de medir os afetos

montanhas
que imaginei atravessar
e um vento que só trazia maus presságios
na travessia

as ameaças do mundo assombravam a casa
forçavam a porta
as palavras nunca tomavam seus assentos
os silêncios brigavam com as vírgulas

vulcões juvenis
um pulso que nada sustinha
o espelho que captava os olhares furtivos
os verões
as chuvas torrenciais
e tome-lhe comer livros

e as inabaláveis certezas que a conjunção dos planetas
se espichavam nas matemáticas que inventei
as certezas como pedras
e a carga das sílabas por se juntar

lamento pelo adeus impossível

João Lopes Filho
09/03/2017






quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

SANHA

prega palavras na parede
larvas incandescentes
fogo que queima a carne dos viventes

muge qual animal dilacerado
caindo entre as pedras
no torpor da embriaguez de ódio

sentidos embotados
reza para matar

e mata

quando uma canção sinistra sai da sua boca
tragando todo o ar que explode na sua carne envenenada


05/02/2017
João Lopes Filho